A continuação da política por outros meios

(Publicado no jornal Metro, 5/11/2009)

Mais um episódio da transformação da Justiça na continuação da política por outros meios. Ou talvez esteja tudo tão invertido que seja ao contrário: a política é que é a continuação da Justiça por outros meios. De facto, a política portuguesa está transformada numa cornucópia de “casos”, que vão do sexo à aparente troca duns tustos para favorecer um sucateiro. A principal característica desta transformação é que a política deixou de ser a actividade da discussão de ideias ou programas. Por definição, é impossível discutir seriamente eventos cujo perfeito conhecimento está na posse de apenas alguns: juízes, advogados e arguidos. Que dizer sobre o caso “Face Oculta” antes de alguém ter sido condenado? Nada, pois é matéria para apuramento judicial. No meio disto, aqueles que vão adiantando uma ideia ou outra para discutir passam por líricos. E passam muito bem, pois é o que efectivamente são.

Na verdade, chegámos à impossibilidade de fazer política. Qualquer governo ou partido que se lembre de adiantar uma medida consequente arrisca-se a ver um dos seus enterrado em lama nas páginas dos jornais, se necessário no espaço de 24 horas. Claro que isto só acontece porque muita gente se disponibilizou a enterrar-se em lama e, portanto, é sempre possível fazer saltar mais um caso quando convém. Neste momento, nenhum talento especial é necessário. Preciso é ter uns contactos no Ministério Público, nos jornais e nos escritórios de advogados. Neste momento, o grau de compromisso de muita gente na política com actividades pouco abonatórias leva a pensar que só substituindo quem por lá anda por gente inteiramente nova, que ainda não foi corrompida, poderia restaurar alguma sanidade no sistema. Enquanto assim não for, mais centro comercial menos centro comercial, mais escutas menos escutas, mais submarino menos submarino, mais sucata menos sucata, a política está transformada numa actividade sem interesse ou graça absolutamente nenhuns.

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