(Publicado no jornal Meia Hora, 28/2/2009)
Lá para Maio vamos ter muitas evocações dos “acontecimentos” franceses de Maio de 1968. Mas provavelmente ninguém falará de outros episódios associados ao algarismo 8 ocorridos em França. Um é a instauração da breve II República, em 1848, experiência parlamentarista que terminou no II Império, de Luís-Napoleão Bonaparte. Outra é a instauração da V República, em 1958, pelo general De Gaulle, experiência presidencial que ainda dura e pôs termo ao caos parlamentar da IV República.
A História política de França desde a Revolução Francesa e do regicído de 1793 parece a oscilação entre a representação do povo por um parlamento sem grandes freios (a II e a IV Repúblicas) e a representação do povo num chefe de Estado, seja ele o Imperador (Napoleão e Luís-Napoleão) ou o Presidente (a V República), com poucas soluções de compromisso (a Monarquia de Julho e a III República). A V República começou com um quase golpe militar e instaurou um espécie de “monarca electivo”. Precisamente foi isto que chamaram a Sarkozy um conjunto de personalidades, da esquerda à direita, que o acusam de instaurar uma “deriva monárquica” no cargo. A falta de contenção no comportamento público (tão longe da modesta virtude republicana), os escândalos amorosos, o uso do poder da corte para resolver crises (como no caso de Cecília e das enfermeiras búlgaras) seriam sinais disso, de acordo com os signatários de um manifesto, que incluem Ségoléne Royal, Dominique de Villpein ou François Bayrou.
Estará, realmente, a França a entrar numa fase de pessoalismo do poder? Quem sabe? Note-se que a França não é a única das repúblicas que confere ao Presidente um estatuto quase monárquico, embora em grau diferente. Também nos EUA o cargo (que esteve para ser um rei na altura da independência) está dotado de um aparato desse tipo. Ou veja-se o nosso Presidente, que como um monarca constitucional é o “garante do regular funcionamento das instituições”.
A projecção da representação num homem é típica de certos momentos de crise. Em Portugal, ouvem-se agora muitas queixas (da SEDES, de Garcia Leandro) sobre uma possível “crise social” resultante num desvirtuamento da nossa democracia em partidocracia. Até parece que querem uma “deriva monárquica” também por cá.